Arquitetura e natureza: estratégias de intervenção em paisagens sensíveis

A intervenção humana sobre a paisagem natural é em si, algo contraditório. Se por um lado a arquitetura nos permite um acesso imersivo ao ambiente natural, por outro, edificar sobre a paisagens sensíveis significa despojá-la de sua própria essência. Portanto, ao considerarmos a arquitetura como um artifício que normatiza a presença humana na paisagem natural, o ato de construir implica também estarmos conscientes das múltiplas escalas envolvidas e, acima de tudo, de que a arquitetura—especialmente nestes contextos—é a nossa principal ferramenta para estabelecer os limites entre o acesso à paisagem e a preservação do meio ambiente. Explorando uma variedade de diferentes abordagens e estratégias formais de projeto, apresentaremos à seguir uma série de importantes lições apreendidas através de experiências concretas realizadas por distintos arquitetos e escritórios de arquitetura, experimentos que nos ensinam outras formas de abordar as relações entre a arquitetura e a paisagem.

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As relações entre o homem e a natureza, assim como entre arquitetura e paisagem, se renovam continuamente. A intervenção humana sobre a paisagem natural pode ser vista como uma espécie de exploração poética, um mecanismo responsável pela renovação da nossa própria compreensão de escala humana. A medida que a arquitetura contemporânea procura aproximar-se cada vez mais da natureza, ela nos oferece uma visão específica da relação entre o ser humano e o meio ambiente. A medida que nos tornamos mais conscientes sobre a importância da preservação do meio ambiente, a arquitetura não só pode como deve ser utilizada como uma ferramenta para garantir a sua salvaguarda. A miríade de recentes projetos de arquitetura e intervenções sobre a paisagem, publicadas aqui no ArchDaily ao longo dos últimos anos, refletem uma crescente preocupação com a preservação do meio ambiente através da arquitetura.

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National Tourist Route Trollstigen / Reiulf Ramstad Arkitekter + Oslo Norway. Imagem Cortesia de Reiulf Ramstad Architects

Atualmente há uma crescente demanda pelo chamado “turismo natural”. As pessoas estão cada vez mais interessadas em explorar novos territórios, em mergulhar nas especificidades das paisagens naturais muito mais do que apenas visitar cidades e centros urbanos que no fim, em maior ou menor grau, se parecem todos iguais. Esta mudança de direção, por assim dizer, tem levantado algumas questões práticas—senão urgentes—sobre de que forma podemos melhor gerir o acesso à estas paisagens. A Rota Turística Nacional Norueguesa, por exemplo, atrai mais de 700.000 visitantes anualmente—embora seja acessível durante apenas três meses do ano. O aumento da popularidade deste tipo de turismo, chamado natural, levou a Islândia a registrar um aumento exorbitante no número de turistas ao longo dos últimos dez anos, passando de 470.000 em 2010 para quase 2 milhões no ano de 2019. Dados como estes nos servem de alerta, enfatizando o papel e a responsabilidade da arquitetura para com a preservação desses locais. Revisitando alguns projetos e suas abordagens, o que pretendemos aqui é delinear uma série de estratégias de intervenções sobre a paisagem, justapondo arquitetura e natureza de forma a enfatizar as qualidades intrínsecas de ambas.

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Fleinvær Refugium by TYIN Tegnestue + Rintala Eggertsson Architects. Imagem © Pasi Aalto

Aprender a Paisagem

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Allmannajuvet Zinc Mine Museum by Peter Zumthor. Imagem © Per Berntsen

Em seu artigo Arquitetura e Paisagem, incluído no livro Pensar a Arquitetura, Peter Zumthor descreve o seu processo de projeto e de que forma ele costuma abordar as relações entre a arquitetura e a paisagem, enfatizando a necessidade de se “apreender” o contexto natural previamente como um pré-requisito fundamental para o desenvolvimento de um bom projeto de arquitetura. Zumthor destaca ainda a necessidade de encontrar o equilíbrio entre estes dois domínios em termos de materiais, escalas e formas. Em sua opinião, é evidente que este equilíbrio depende da sensibilidade de cada arquiteto, e então afirma: “Arrisco-me a dizer que cada um de nós sentimos imediatamente se a relação entre o edifício e a paisagem funciona, se a intervenção arquitetônica perturba ou enriquece a paisagem natural”. Zumthor se utiliza de sua vasta experiência para aconselhar as novas gerações de arquitetos e arquitetas. Ele sugere priorizar tipologias claras e inequívocas, assim como buscar uma aproximação para com a substância da paisagem, utilizando materiais e técnicas construtivas locais.

Redescobrir a Sabedoria da Arquitetura Vernacular

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Wadden Sea Centre by Dorte Mandrup Architects. Imagem © Adam Mørk

Inspirando nas tradicionais técnicas locais de construção, o Centro do Mar de Wadden—projetado pela Dorte Mandrup Architects—é a materialização das qualidades essenciais da paisagem local em um objeto de arquitetura. Apropriando-se das tradicionais coberturas de palha utilizadas da região, os arquitetos puderam explorar e extrair novas formas à partir de um sistema construtivo enraizado na cultura local. Através de uma paleta de materiais bastante simples e buscando mimetizar as cores e a morfologia da paisagem local, o edifício parece fundir-se com o seu entorno imediato. Além disso, o projeto foi desenvolvido de tal forma a tirar o máximo proveito das condições climáticas específicas, incorporando um pátio protegido como acontece na maioria dos edifícios tradicionais construídos na região.

Uma Nova Forma de Experimentar a Natureza

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Selvika by Reiulf Ramstad Arkitekter. Imagem Cortesia de Reiulf Ramstad Architects

O estúdio norueguês Reiulf Ramstad Arkitetker conta com um número considerável de intervenções paisagísticas em seu portfólio, projetos que procuram dar forma a uma nova maneira de se experimentar a natureza. Em seu projeto chamado de Selvika, os arquitetos do Reiulf Ramstad procuram oferecer um caminho alternativo, que se afasta do percurso mais curto entre dois pontos, abrindo caminho a uma experiência imersiva que faz com que visitante esteja mais consciente do lugar onde se encontra. Desta forma o Selvika transforma uma necessidade muito pragmática de infraestrutura em uma oportunidade para se experimentar a natureza a partir de um lugar outro.

Minimizando Intervenções

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Path of Perspectives Panorama Trail by Snohetta. Imagem © Christian Flatscher

Recentemente, o Aedes Architecture Forum organizou uma exposição dedicada à arquitetura e a paisagem, na qual foram apresentados alguns dos projetos pioneiros desenvolvidos pelo escritório de arquitetura norueguês Snøhetta. Nesta ocasião, Kjetil Trædal Thorsen, cofundador do estúdio, afirmou: “áreas antes remotas e inacessíveis estão se tornando cada dia mais procuradas por pessoas em busca de algo autêntico. [...] Para esse lugares e aqueles outros já supersaturados de visitantes, será fundamental pensarmos em instalações e projetos de arquitetura que possam evitar e minimizar danos ambientais irreversíveis”. É exatamente isso que estamos procurando quando desenvolvemos projetos como a Rota Turística Eggum, com a qual proporcionamos uma infraestrutura turística básica com o mínimo impacto possível sobre a paisagem natural. De forma muito similar, o projeto da Trilha Panorâmica se apresenta quase como um projeto de curadoria sobre a paisagem, uma intervenção mínima por meio da qual inserimos uma série de pequenos elementos arquitetônicos profundamente integrados à paisagem alpina.

Trabalhando com o Clima Local

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rendering of Icejford Visitor Centre by Dorte Mandrup Architects. Imagem © MIR

Para os arquitetos da Dorte Mandrup, por outro lado, o principal objetivo ao projetar edifícios em paisagens naturais remotas e selvagens é construir uma conexão direta entre as condições climáticas locais e a tipologia empregada. Pensando nisso, o projeto para o Icefjord Centre na Groenlândia é uma resposta clara à paisagem local e suas condições climáticas específicas. Assumindo a forma de um bumerangue, a estrutura do edifício ajuda a minimizar a quantidade de neve acumulada durante os longos e rigorosos invernos da Groenlândia. Inserido em uma paisagem tão severa quanto rigorosa, os arquitetos buscaram inspiração nas técnicas tradicionais de construção em madeira para desenvolver o projeto do edifício do Icefjord Centre, uma plataforma protegida desde onde é possível admirar os belos fiorde que dominam a paisagem da Groenlândia, ao mesmo tempo que opera como um edifício de caráter educativo, onde acontecem uma série de exposições temáticas.

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Path of Perspectives Panorama Trail by Snohetta. Imagem © Christian Flatscher

Os projetos anteriormente apresentados, servem como um fio condutor para elucidar as distintas estratégias utilizadas por diferentes arquitetos e arquitetas quando enfrentados com o desafio de projetar em paisagens sensíveis. Como pudemos ver, estas intervenções foram tomadas como exemplos de uma arquitetura que procura reconectar a prática profissional à essência primordial da nossa própria disciplina, buscando uma reaproximação definitiva entre a arquitetura e a natureza.

Este artigo faz parte do Tópico do Mês do ArchDaily: Escala Humana. Cada mês exploramos um tópico em profundidade por meio de artigos, entrevistas, notícias e obras. Conheça mais sobre nossos tópicos aqui. E como sempre, nós do ArchDaily, valorizamos as contribuições de nossos leitores. Se você deseja enviar um artigo ou trabalho, entre em contato conosco.

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Sobre este autor
Cita: Cutieru, Andreea. "Arquitetura e natureza: estratégias de intervenção em paisagens sensíveis" [Architecture and Nature: A Framework for Building in Landscapes] 01 Nov 2020. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/950320/arquitetura-e-natureza-estrategias-de-intervencao-em-paisagens-sensiveis> ISSN 0719-8906

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